Sempre venho, talvez, daquele outro porto
Com trabalhos em pintura figurativa, a artista constrói imagens que entende como dispositivos de memória coletiva negra e mestiça, partindo de álbuns de famílias inter-raciais como motivo representacional. Apresenta uma série de seis pinturas e um livro de artista com técnica mista. A proposta é uma continuação e desdobramento da mostra com o mesmo nome no período de residência artística em La Rochelle, França, em 2022.
a artista
Pamela Zorn
Artista visual e arte educadora. Bacharela em Artes Visuais pela UFRGS, atualmente desenvolve Mestrado em Poéticas Visuais na mesma universidade. Tem experiência com mediação cultural em museus e ministra oficinas de arte independente.
Em 2024 conquistou o Prêmio de Incentivo à Criatividade no 24º Salão de Artes Plásticas da Câmara Municipal de Porto Alegre. Em 2022 conquistou o Prêmio Aliança Francesa de Arte Contemporânea, além do Destaque Artista no XV Prêmio Açorianos em Artes Plásticas da Prefeitura de Porto Alegre.
Sua principal linguagem é a pintura, embora utilize fotografia, desenho e escrita subjetiva em seu processo artístico. Em sua pesquisa investiga questões sobre memória, autorrepresentação e relações raciais, a partir do uso de álbuns de família como motivo representacional.
Sempre venho, talvez, daquele outro porto
Eu pinto em primeira pessoa. Há algum tempo venho incluindo em minha prática artística a reflexão sobre meu universo, através de referências íntimas, mas que são também sociais e políticas. Nessa série, voltei-me a um “eu criança”, parti do lugar da memória. A partir do olhar para os meus próprios álbuns de família – e depois também para os arquivos de terceiros – procurei o que foi o dia a dia de uma criança negra de pele clara no sul do Brasil. Uma criança que teve de conviver desde cedo com a diferença e com o não-pertencimento no que concerne às relações raciais, e, a partir do lugar da infância, do jogo, da brincadeira, tentava entender o funcionamento do mundo e o seu lugar nele.
Os álbuns fotográficos, esses curiosos objetos, geralmente guardam e acompanham uma série de histórias e narrativas. Roland Barthes escreve que “no fundo, a Fotografia é subversiva não quando aterroriza, perturba ou mesmo estigmatiza, mas quando é pensativa” (1987, p.62). O que me coloca nesse estado pensativo geralmente, são pequenos fragmentos de imagem (nada inocentes). Recortes de um corte fotográfico, que transformo em pintura seguindo o rastro de uma ferida, de uma pista, de algo que eventualmente pode não ter sido percebido, ou mesmo que tenha sido sistematicamente esquecido, ali naquela imagem.
Pintar para mim é, entre muitas coisas, a ação de cobrir e desvelar – e nas minhas pinturas eu também cubro e desvelo (tiro o véu de) partes de uma cena, em um jogo de esconder e revelar (esquecer e rememorar) certas tensões das situações que encontro nas imagens fotográficas. Escolho construir cenas de afeto, transpassando imagens e palavras, e o vermelho gritando ao fundo. Vamos olhar de novo: a memória nunca é fixa, é sempre movimento, sempre nos escorre. A pintura também nunca é apenas uma imagem estática: ela esconde camadas de movimento, camadas de interpretação, de erros e acertos. Meu jogo é tirar os fantasmas das fotografias, a partir da concretude da pincelada, da vibração da cor e do gesto. E nesse mergulho, observo e questiono as relações de ambiguidade, os tensionamentos, o familiar versus o estranhamento que perdura no tempo quando tratamos de relações de afeto profundamente marcadas pela raça no complexo (e sutil) tecido social brasileiro.
Pamela Zorn, artista
2024
data
abertura
5 de dezembro de 2024, 19h
visitação
até 5 de janeiro de 2025, de terça a domingo, das 10h às 18h
entrada franca