ARTISTA + ARTISTA

Convergente/Divergente: diálogos da terra

A exposição explora o encontro e as divergências entre as práticas artísticas de Bianca Santini e Adriana Giora, conectadas pela observação da força da natureza na paisagem urbana, mas distintas em suas abordagens.

Enquanto Santini abraça o caos da cidade e a força da natureza, criando obras intensas que evocam desordem e resistência, Giora se dedica à paciência e à contemplação, moldando cerâmicas que remetem aos ciclos da terra e à reconexão com o natural.

Em diálogo, as artistas provocam uma reflexão sobre a dualidade entre caos e ordem, urgência e cuidado, força e fragilidade. A exposição nos convida a revisitar a paisagem como metáfora da vida contemporânea, desafiando o público a encontrar beleza tanto na destruição quanto no renascimento.

Ao confrontar esses extremos, a mostra revela que, embora opostas, essas forças complementares formam a base da complexa relação humana com a natureza e o tempo.

obras

A mostra de Adriana Giora traz instalação em cerâmica com quatro partes  integrando ferro e cerâmica. Entre elas, uma estrutura com malha de arame para sustentar um jardim invertido com peças de cerâmica e ainda desenho de uma linha que percorre as paredes da sala com pastel seco.

O trabalho de Bianca Santini é apresentado com instalação com galhos secos, 20 desenhos em papel sem moldura, fixadas diretamente na parede  em tamanhos que variam de 30x40m, 30x30cm e 20x30cm. Ainda um desenho direto na parede com pastel seco, na parte curva da sala da esquerda e três fotografias 150x50cm.

trajetórias

Artista visual e ceramista nascida em Salto, Uruguai, em 1957, e radicada em Porto Alegre desde 1973. Desenvolve uma poética voltada à exploração de formas orgânicas, utilizando cerâmica e ferro. Suas obras resgatam suas memórias afetivas ligadas a jardins e à natureza, compondo instalações modulares e seriadas que aliam arte e design. Entre suas exposições individuais destacam-se “No Limiar do Jardim” (2019, MARGS, Porto Alegre), “O Jardim Secreto” (2017, Fundarte Montenegro, RS; 2016, Espaço Cultural IAB, Porto Alegre). Também participou de importantes mostras coletivas como “Do Branco ao Cinza”(2023) e “Memórias – Doações MACRS” (2018). É conselheira da Associação dos Amigos do MACRS e tem uma trajetória ativa em associações culturais como a Chico Lisboa e a AERGS.

Artista visual nascida em Porto Alegre em 1976, iniciou sua trajetória artística aos seis anos no Centro de Desenvolvimento Expressão (CDE) e seguiu seus estudos no Atelier Livre da Prefeitura, explorando técnicas como pintura, escultura, cerâmica e gravura. Graduada em Design pela ESPM em 2003, foi aluna de importantes nomes da arte gaúcha, como Elizeth Borghetti, Clara Pechansky, Julio Ghiorzi, Paulo Chimendes, Maria Helena Bernardes, André Severo, Jailton Moreira e André Venzon. Em 2017, realizou sua primeira exposição individual, "Risco e Ar", no MARGS, com curadoria de Gabriela Motta. Tem obras no acervo do Museu de Arte Contemporânea do RS e do MARGS. Participou de diversas exposições coletivas no Brasil e no exterior, incluindo mostras no Rio de Janeiro e em Montevidéu. Sua produção atual abrange pintura, desenho, aquarela, colagens e instalações, desenvolvidas em seu atelier em Porto Alegre.

curadora

Curadora independente e produtora com sólida formação acadêmica e ampla experiência em gestão e práticas curatoriais. É especialista em Práticas Curatoriais pelo PPGAV, Instituto de Artes da UFRGS, e em Gestão Cultural pelo Senac-RS, além de possuir bacharelado em Artes Plásticas e licenciatura em Arte-Educação pela UFRGS. Como proprietária da Babilônica Arte e Cultura, desenvolve projetos curatoriais e de produção cultural, organizando exposições no Brasil e no exterior, e atua também como mentora de artistas visuais. Integrou o Conselho Consultivo do MACRS e foi curadora assistente no mesmo museu entre 2015 e 2018. Atuou na diretoria da Associação Chico Lisboa (2014-2016) e como membro do Conselho Estadual de Cultura do RS (2015-2016), contribuindo significativamente para o cenário cultural gaúcho.

texto curatorial

O diálogo entre convergência e divergência reforça a complexidade do trabalho de Adriana Giora e Bianca Santini, unidas inicialmente pela observação da força da natureza e pela vivência do deslocamento pela cidade. O conceito também amplia a reflexão sobre a nossa relação com o tempo, a natureza e o ambiente urbano, propondo uma leitura mais rica e multifacetada da paisagem contemporânea.
A natureza, na paisagem urbana, é o ponto de convergência para ambas e torna-se o elo que conecta suas práticas artísticas. No entanto, ao observar os processos criativos de cada artista e seus resultados, evidencia-se um afastamento que pondera suas diferentes abordagens e perspectivas.
Bianca Santini explora o caos a partir de sua relação com o ritmo acelerado da vida contemporânea e o impacto emocional que esse ambiente provoca. Seus desenhos, marcados pela urgência e intensidade, utilizam o acúmulo e a desconstrução de linhas e formas como um jogo de aproximação e afastamento. Esse processo evoca a desordem, a resistência e a dor, assim como a força destrutiva da natureza. Em seus desenhos, fotografias e instalação, o movimento é imediato, remetendo à “dromologia” de Paul Virilio, que associa a velocidade à transformação e à instabilidade da percepção humana e do tempo, por meio da aceleração tecnológica.
As obras de Bianca, ao abordar o caos, particulariza uma beleza disruptiva que transcende os conceitos de jardim e paisagem, apresentando vestígios que assumem seus próprios signos e oferecem uma metáfora da realidade. Esses elementos são reforçados na montagem da exposição, que amplifica o peso emocional e a intensidade de suas experiências.
Por outro lado, Adriana Giora adota uma postura desacelerada e contemplativa na produção e apresentação de sua obra. O tempo, na prática de Adriana, é o tempo do cuidado e da paciência. A cerâmica exige um tempo dilatado, que reflete o ciclo da terra, da vida e da resiliência, ressoando a ideia de Henri Bergson sobre o “tempo vivido”, em que a duração é subjetiva e individual. Nos jardins, Adriana encontra um espaço para desacelerar e se reconectar com sua essência humana, uma pausa necessária, a um retorno ao substancial, que confronta a alienação provocada pela digitalização e pela vida acelerada. Suas peças são uma invocação ao que é orgânico e eterno, àquilo que deve ser cuidado.
Anne Cauquelin descreve o jardim como uma “natureza em obra”, sempre em constante transformação, enquanto o filósofo Byung-Chul Han enxerga o jardim como um lugar de invocação e fruição, um espaço para demorar-se. No contexto da cultura digital, Han aponta que o ser humano perde contato com a terra e passa por um processo de fragmentação, onde já não se constroem narrativas ou memórias profundas. Para ele, a narração é uma forma de reaproximação com o natural, com o que dá sentido à vida.
Na exposição, Giora recompõe suas peças cerâmicas para criar um “jardim invertido”, em diálogo com as obras de Bianca Santini. Seu jardim torna-se uma representação de resistência e, no contexto das inundações recentes, vai além do espaço de contemplação, tornando-se um símbolo de luta e sobrevivência, espelhando a força emocional e simbólica de sua obra.O diálogo entre as artistas acontece por antagonismos sutis. O conceito de velocidade é um ponto evidente de divergência: Bianca se conecta com a velocidade, em sintonia com a urgência do presente; Adriana, por outro lado, nos pede paciência, cuidado e uma reconciliação com o ritmo natural. No entanto, suas obras convergem na forma como confrontam o público com uma nova leitura da paisagem — não apenas como espaço físico, mas como reflexo da nossa relação com o mundo natural e com nós mesmos.
Ao observar suas produções, encontramos outras oposições e paralelismos: enquanto Bianca constrói pela acumulação e desconstrução, Adriana molda pela repetição e ordenação. Enquanto uma trabalha com a força e agressividade do gesto, a outra se apoia na suavidade da forma e na leveza simbólica do jardim como espaço de renascimento. No entanto, ambas compartilham a capacidade de transformar o simbólico em uma ferramenta de reflexão, desafiando-nos a repensar como nossas vidas, urbanas e digitais, se conectam com a natureza.
A exposição, assim, preconiza uma reflexão sobre a dualidade entre caos e ordem, urgência e paciência, aceleração e contemplação, intensidade e suavidade, morte e renascimento. Esses extremos se revelam não como opostos irreconciliáveis, mas como forças complementares que juntas compõem a complexidade da experiência humana em relação à natureza e ao tempo.
Letícia Lau
Especialista em práticas curatoriais, gestora e produtora cultural.

abertura
25 de outubro de 2024, 19 horas
Conversa com artistas às 17h

visitação
até 24 de novembro 2024
de terça a domingo, das 10h às 18h, inclusive feriados

entrada franca