Pisando em Ovos

A exposição apresenta a poética visual de duas artistas com obras que abordam a violência contra as mulheres com discurso crítico: Ana Flores e Simone Barros. Por meio de suas linguagens, Ana e Simone discutem a construção de subjetividades femininas e suas múltiplas resistências, tensionando normas e padrões preestabelecidos. Nas duas propostas são criadas redes de sentidos que atravessam sentimentos em uma relação viva com o outro.

As duas artistas expuseram seu trabalho recentemente no Museu Oscar Niemeyer de Curitiba e suas obras passaram a integrar o acerto da instituição.

as artistas

Bacharel em Artes Plásticas pelo Instituto de Artes da UFRGS (1999/2002), onde foi professora do Departamento de Artes Visuais (2005/2006). É mestre em Design, com ênfase em Design e Tecnologia pela Escola de Engenharia e Arquitetura da UFRGS (2010/2012). Recebeu Prêmio Viagem no III Salão de Arte Postal, Casa 26, Porto Alegre/RS e Ball State University, Muncie, Indiana, EUA, em 1999; Prêmio Açorianos – Destaque em Cerâmica, com a individual Um Dia Entre Abril e Junho, Porto Alegre, em 2010. Participou da 10ª Bienal do Mercosul com a obra da série Elas que Ainda Estão (2015) e da exposição Queermuseu com obras da série SI e NO, (Porto Alegre/2017 e Rio de Janeiro/2018). Entre 2015 e 2019, desenvolveu pesquisa em Arteterapia, com adolescentes infratores, na FASE/RS, onde trabalhou como voluntária. Em 2021, foi selecionada para o Festival Arte como Respiro, do Itaú Cultural. Participou da coletiva Fora das Sombras com a série Homem não Chora, no MON, Curitiba/PR, em 2022-2023.

Graduou-se em Cerâmica no Instituto de Artes da UFRGS em 1986. Cursou “Massas de Alta Temperatura”, com Marily Cintra Opperman (1984); “Argila e Expressão”, com Norma Grimberg (1986); “Arte Educação” na Escolinha da UFRGS (1995). Participou de várias coletivas e da exposição coletiva do Bando do Barro intitulada “Colunas”, agraciada com o Prêmio Açorianos em 2008; participou das coletivas do Bando do Barro na Fundação Ecarta e na Koralle, indicadas para o Prêmio Açorianos em 2009, 20º Salão de Artes Plásticas com prêmio Incentivo a Criatividade na Câmara Municipal de Cultura. em 2014, Geografias da Criação no MARGS em 2014, A Paisagem no MARGS em 2015, Fora das Sombras-Novas Gerações do Feminino na Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul, no MON, Curitiba PR em 2022. Possui obras em acervo no MACRS, MARGS e MON. Participou de exposições em museus e galerias no RS, SC, PR e SP. Desenvolve pesquisa cerâmica junto com Marianita Linck desde 1995.

Trabalho quase exclusivo em cerâmica, usando ocasionalmente madeira, tecido, pelegos e isopor.

curadoria

ICuradora e historiadora da arte brasileira moderna e contemporânea, graduada em Pintura em 2002 e História, Teoria e Crítica de Arte (2004) pela Universidade Federal do RS (UFRGS), e Mestre em História, Teoria e Crítica de Arte pela Universidade de Santa Maria/RS (2011) com a dissertação Reatando os Nós: Arte & Fato Galeria, Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul e Torreão, espaços de legitimação em Porto Alegre (1985-1997). Foi curadora-chefe do Museu de Arte do Rio Grande do Sul- MARGS (2013-2014), curadora assistente da 10ª Bienal do Mercosul: Mensagens de Uma Nova América, em 2015 e Curadora-chefe do Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul – MACRS (2015-2018), pertenceu a equipe de acervo e curadoria do MACRS (2011, 2012). Foi professora no curso de graduação em artes visuais da Universidade do Extremo Sul Catarinense-UNESC, Criciúma/SC (2016/1017). Publicou o livro Entre Curadoria AZ (2013) mapeamento da jovem produção de arte contemporânea no RS do período 2000-2013. Publicou também o livro Há Tempo Atento ao Tempo (2011) monografia do artista Leandro Selister. Organizou e realizou a curadoria de mais de 100 exposições entre os anos de 2007 a 2021, locais, nacionais e internacionais, dando destaque para as curadorias feministas: Fora das Sombras:novas gerações do feminino na Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul, no Museu Oscar Niemeyer, Curitiba/PR (2022); Útero, Museu e Domesticidade Gerações do Feminino na Arte, MARGS, Porto Alegre/RS, (2013); Placentária, Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do SUl- MACRS (2018) Poto Alegre/RS; As Canibais: artistas e o exercício das imagens, Centro Cultural CEEE Erico Veríssimo (2019), Porto Alegre/RS, Mulheres no Plural, Galeria Espaço Cultural Duque (2019-2020), Porto Alegre/RS; e Mulheres em Diálogos: memória, tempo e movimento, Sala Edi Balod, na Universidade do Estremo Sul Catarinense,(2021), em Criciúma/SC; Presença Feminina: Artistas Mulheres e o caminho da experimentação, na Casa das Artes Villa Mimosa, (2022), Canoas/RS. A série de exposições Futurama tiveram o objetivo de dar visibilidade para jovens artistas, realizadas no Museu dos Direitos Humanos do Mercosul (2014), MACRS (2016) e MACRS (2018).

texto curatorial

A metáfora ‘pisando em ovos’ diz respeito às circunstâncias delicadas e frágeis e, ao mesmo tempo, desafiadoras e turbulentas que permeiam situações alinhadas com a vida e o cotidiano das artistas. A mostra está atravessada por perguntas não ditas, e os trabalhos dirão o que não pode ser dito convencionalmente.

As obras falam de dois mundos. O primeiro é o mundo compartilhado no cotidiano com toda a tragédia que habita a questão da violência contra as mulheres. O segundo tem de ser descoberto, porque põe em dúvida e questiona. As obras são poéticas da realidade.

As obras de Ana Flores e Simone Barros exprimem, por meio de visualidades diferentes, o mesmo sentimento. A mensagem que desejam passar está na tênue linha que separa razão e sensibilidade. As obras são objetos plásticos reais e palpáveis que, no seu simbolismo, apontam para pontos nevrálgicos que podem determinar o embate entre vida e morte.

Os sentimentos são transportados por meio das obras para criar signos e metáforas. Os canais de comunicação entre as obras favorecem a unidade do conjunto, integralmente ancorados na arte conceitual. O conceito engrandece as obras mutuamente e cria espaços para ambiguidades, assim como um refúgio para advertir sobre as incertezas.

Ana Flores tem um compromisso social por meio de sua obra, visto que ela fala de verdades e realidades cruéis de um regime patriarcal que sempre oprimiu as mulheres, problematizando a produção como importante lugar de discussão social e cultural. As obras representam, simbolicamente, a violência diária contra as mulheres e trazem reflexões sobre os lugares do feminino e do masculino nos dias de hoje.

A interdisciplinaridade entre duas abordagens específicas, ou seja, a relação entre imagem e texto e mais a apropriação de objetos trazem ao trabalho da artista novos modos de fazer arte. Ana centrou grande parte de sua trajetória na linguagem da cerâmica, que ela ainda faz com muita propriedade dentro do viés contemporâneo. Agora, ela traz a instalação de camisas usadas e bordadas com frases que servem para desrespeitar a condição feminina e diminuí-la diante do poder masculino. Quando se olha essas frases, elas ferem e sensibilizam. Esse olhar perde-se em um fundo sem fim, que é a sensação de perigo, a vertigem, pois basta um só passo em falso para mais uma mulher se somar a estatísticas desconcertantes de estupros e feminicídios.

As obras de Simone Barros estão abertas à livre interpretação. Os objetos cerâmicos, elaborados com técnica impecável, provocam os sentidos. Por trás desses objetos, mundos imersos em conceitos tratam do privado. São objetos autobiográficos que abordam questões, ora delicadas, ora lúdicas, e se apresentam de modo a alterar a lógica, pois em formatos pequenos e intimistas se mostram e se ocultam abrindo um espaço poroso para muitas interpretações.

Os conjuntos de trabalhos estabelecem uma estrutura rizomática (elos semióticos calcados em atitudes e interesses) e criam estruturas transversais em que os significados, como o espaço oculto, a serialidade, o igual e o diferente, reverberam. Cada uma das peças de uma série carrega em si a possibilidade morfológica da que vem em seguida e oferece um jogo de combinações.

A instalação composta por pelegos e ovos causa estranhamentos, mas a sua potência se refere a antagonismos que reforçam o seu sentido. A intervenção no espaço propicia uma experiência sensorial e estética muito intensa para o espectador que se propuser a interagir e andar pelo espaço da obra, por cima dos pelegos.

A exposição é um compromisso emocional em que as obras não revelam tudo, visto que denotam questionamentos. A transformação de objetos banais em obras divide a mostra em dois segmentos: o político e o poético. Os trabalhos são pontos de partida, propõem algo, adquirem força e logo se apresentam como um presente ao observador, uma vez que é ele quem poderá tecer as interpretações.

A curadoria buscou uma experiência interativa, criativa e sensorial para os visitantes, uma vez que as obras precisam ser analisadas e compreendidas. Buscamos em conjunto (artistas e curadora) trazer reflexões sobre gênero, sexualidade e relacionamentos por meio da materialidade das obras. A articulação delas no espaço expositivo foi um desafio porque são objetos carregados de significados que não estão à vista, e muitos se enquadram em uma prerrogativa autobiográfica. A ideia é fazer circular e estimular discussões inclusivas e antissexistas.

O ponto de contato entre as obras ocorre no conceito por trás do título, Pisando em Ovos, já que a produção de todos os trabalhos está relacionada às situações de fragilidade e às vivências das suas idealizadoras e de todas nós. O movimento cíclico entre fatura e pensamento como um impulso permite às artistas fugirem da rigidez de regras e buscarem novas significações. E esse mesmo impulso investiga o real significado da arte e sua relação com o mundo.

Ana Zavadil – Curadora

abertura
29 de abril de 2023, 11h

visitação
Até 28 de maio de 2023, de terças a domingo, das 10h às 18h, inclusive feriados, com entrada franca.

local
Fundação Ecarta (Avenida João Pessoa, 943, Porto Alegre).