Ruídos da lembrança
A mostra traz um conjunto de pinturas que partem de fotografias antigas da própria família, desde a infância de seus pais até a sua própria. A artista busca a representação em pintura dos aspectos temporais da imagem fotográfica e de vídeo, usando para isso arquivos pessoais.
Assim como os ruídos que marcam as fotografias e vídeos analógicos, as nossas lembranças são permeadas de ruídos, pedaços faltantes, cenas borradas, tempos trocados. Aqui o tempo e memória são assuntos inerentes à essas imagens e às nossas lembranças.
Entre as técnicas utilizadas estão aquarela, lápis de cor, tinta acrílica, pintura a óleo, carvão, pastel seco e giz e instalação com vídeo, usando como suportes papel, MDF e fita VHS.
a artista
Isabelle Baiocco
Seleção por edital
Isabelle Baiocco cursa Artes Visuais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), onde também é bolsista de Iniciação Científica coordenada pela Professora Marilice Corona. Começou sua experiência com pintura no final de 2017 com aquarela e atualmente trabalha também com outras técnicas como lápis de cor, tinta acrílica e tinta a óleo.
Em 2023 começou a ministrar curso de aquarela no Atelier Livre de Porto Alegre. Sua prática artística reflete sobre a memória e investiga a cor e a figuração na pintura usando como referência fotos de sua família de diversas gerações.
Seu maior interesse está relacionado a fotos antigas de família, algumas rasgadas e resgatadas do lixo da avó. Desde pequena se interessa por fotos, histórias e objetos antigos e possui diversas coleções de itens, como moedas, cédulas e documentos. Desde 2021 tem explorado os efeitos pictóricos característicos de fotos analógicas: seus sinais de deterioração, manchas do tempo, desbotamento e erros de impressão.
texto curatorial
Fricções de uma memória estranhamente familiar
por Lilian Maus, artista e professora do IA/UFRGS
Brinca na poeira, brinca!
Aprecio a tua presença só com os olhos.
Vale mais a pena ver uma coisa sempre pela primeira vez que conhecê-la,
Porque conhecer é como nunca ter visto pela primeira vez,
E nunca ter visto pela primeira vez é só ter ouvido contar.
Alberto Caeiro, Criança desconhecida e suja brincando à minha porta
Talvez sejam as memórias da infância aquelas mais revisitadas pelos artistas durante a vida como veículo de inspiração. Já dizia Picasso que toda criança é artista, mas difícil é a tarefa de manter-se criando depois de crescidos. Afinal, como manter o fascínio do olhar ingênuo de quem observa as coisas do mundo pela primeira vez?
Isabelle Baiocco, na sua primeira exposição individual intitulada Ruídos da Lembrança, traz a público esse olhar do infante que não se cansa de explorar o mundo doméstico para, então, virá-lo do avesso. Seus álbuns de família portam fotografias e vídeos analógicos produzidos por sua mãe e familiares. Esses documentos são pequenos tesouros que lhe servem de inspiração afetiva para montar um novo atlas autobiográfico e autoral.
A partir do uso virtuoso do desenho e da pintura em contato com a fotografia e o vídeo analógico, a artista discute o lugar do retrato na arte contemporânea e a própria onipresença das imagens nos veículos de comunicação. Afinal, ainda é possível surpreender-se com imagens? De que forma podemos trazê-las para mais perto de nós? De que modo os gestos gráficos e pictóricos nos ajudam a reinventar nossas próprias histórias? Nesse sentido, paralelos podem ser traçados com a poética de Gerhard Richter, artista expoente alemão, e Ricardo Mello, artista e professor da UFPEL, algumas das referências de Isabelle.
O processo de fatura de suas imagens carrega a ousadia da criança que, sem apego, recorta, rasga e apaga as figuras, mas, com carinho, também as remonta, colore, satura e adoça nesse quebra-cabeça particular. Sua poética lida, fundamentalmente, com a ideia de que, ao revisitar uma mesma imagem durante muito tempo, produzimos novas memórias. Depois da fricção entre matéria e memória o que sobra dessa memória visual?
Fotografias, filmes, álbuns de papel, fitas VHS convivem, nem sempre pacificamente, com pinturas, desenhos e projeções multimídia. Não se trata mais de apresentar um conjunto de documentos inertes que registram cenas de uma história particular. Pelo contrário, Baiocco nos apresenta, nesta proposta de instalação pictórica da Ecarta, uma narrativa aberta e experimental através de imagens que têm sua própria materialidade e presença no mundo. Alguns dos suportes de suas pinturas, tais como as fitas VHS, nos dão pistas disso.
Na mostra, a artista nos convida a reinterpretar este álbum de família feito a partir de um realismo borrado, que contrasta, permanentemente, o rigor técnico com a imaginação “imperfeita” que provoca ruídos nas imagens. É justamente desse atrito que surgem espaços silenciosos que nos convidam a mergulhar nesse mundo estranhamente familiar, pintado por Isabelle Baiocco.
abertura
6 de junho de 2023, 19h
visitação
Até 9 de julho de 2023, de terças a domingo, das 10h às 18h, inclusive feriados, com entrada franca.
local
Fundação Ecarta (Avenida João Pessoa, 943, Porto Alegre).